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04/07/2024 - Notícias

“Cristo educa os Seus para a Missionariedade”, afirma Dom Julio Akamine

União do Apostolado Católico (UAC) - mensagem no Boletim Apóstolos Hoje - Julho de 2024.

Normalmente as nossas viagens são alegres e esperançosas: turismo, descanso, companhia dos familiares, lua de mel, aprendizado, cursos, intercâmbio cultural, etc. Aquela era uma viagem triste; parecia mais uma fuga (Lc 24,13-35). Os dois discípulos conversavam sobre o que tinha acontecido em Jerusalém: “Jesus, foi um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e diante de todo o povo”. Ele despertou tanta esperança! Tudo o que fazia e falava prometia, de fato, um mundo novo! Aconteceu, porém, o que não esperávamos: “Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram”. Só tivemos decepção: “Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel, mas apesar de tudo isso, já faz três dias que todas essas coisas aconteceram”.

Nessa viagem triste, porém, acontece uma surpresa: “o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles”. Ele está presente, mais presente e atuante do que nunca; mais próximo e mais enviado do que nunca, mas eles não o reconhecem. Pensam que se trata de um peregrino meio alienado: “tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?” Essa impressão é confirmada pela pergunta daquele peregrino estranho: “o que foi que aconteceu em Jerusalém?”

Jesus ressuscitou em sua inteira realidade humana. Ele não é espírito desencarnado, nem fantasma tampouco uma alucinação saudosa. A sua corporeidade é agora uma corporeidade glorificada: não pertence a este mundo e goza da condição divina.

A cegueira dos discípulos impede de reconhecer a presença do Ressuscitado. Eles julgavam a morte como fato definitivo e último. Não esperavam mais, e por isso não podiam ver Jesus. Jesus precisa abrir brechas na cegueira dos discípulos de Emaús para se revelar à evidência dos sentidos deles. Apesar da cegueira, os discípulos de Emaús acolhem aquele peregrino estranho como companheiro de viagem. Jesus perguntou a eles: “o que aconteceu?” Há aqui uma ironia. Aquele peregrino parece desconhecer o que aconteceu, mas na realidade são os discípulos que não sabem o que realmente aconteceu. Jesus está vivo e conversa com eles, e eles não sabem o que está acontecendo.

A pergunta de Jesus faz com que saia do coração dos dois tudo o que está corroendo por dentro. A mesma pergunta Jesus faz para nós: o que está acontecendo? Ele espera que digamos o que nos corrói por dentro. Os discípulos revelam toda a decepção que corrói por dentro: Jesus foi uma decepção para eles! Frustrou as suas expectativas e esperanças. Eles esperavam que Jesus fosse um conquistador que impusesse politicamente uma independência nacional. Esperavam dele uma imposição esmagadora do poder divino pelos milagres. Esperavam dele uma segurança construída sobre a prosperidade econômica e a riqueza. Jesus frustrou todas essas expectativas.

Medite sobre a situação de decepção e desalento dos “apóstolos hoje”! Medite sobre histórias de apóstolos que vivem o cansaço e o desalento. As ondas do cansaço parecem chegar até nós, que havíamos sentido a vocação para ser libertadores. Participamos com emoção das mudanças eclesiais; julgávamos que, por fim, ia brilhar a luz do Evangelho, refletida na Igreja. No seminário, nos sentíamos chamados como uma nova raça de profetas que iria mudar o mundo e a Igreja pela graça de Jesus Cristo. Houve emoção em nossos gestos e generosidade em nossa entrega. A Igreja mudava interiormente com a renovação conciliar, com o protagonismo dos fiéis cristãos leigos e com seus novos compromissos de presença social e libertadora.

Chegou, porém, o momento do cansaço e do desalento. Primeiro veio o desalento. As coisas não mudaram como tínhamos pensado. Agora não só a hierarquia parece retroceder, mas também as gerações mais jovens começam a ressuscitar comportamentos e objetos que pareciam superados: tiram dos armários antigos paramentos e vestimentas, reivindicam o direito de celebrar missa tridentina.

A maré do desalento vem seguida do cansaço. “Para que continuar se esforçando e trabalhando? Não será melhor abandonar as redes que há tempo estão vazias? Mais ainda. Parece que as redes estão furadas e os poucos peixes que foram um dia apanhados escapam pelos furos. Para que continuar trabalhando, quando vemos cada vez menos fiéis cada vez mais velhos?”

O desalento e o cansaço levaram alguns ao abandono. Vários, de fato, foram os que abandonaram o barco da Igreja, desiludidos, amargos e céticos. Se não abandonam por desilusão, abandonam por cansaço: “é melhor deixar para outros”, “nós já estamos vencidos”.

Nessa situação angustiosa, nos lembremos dos discípulos de Emaús. Meditemos na crise vocacional e na tristeza deles ante a vida e a missão. Lendo a nossa vida à luz da história de Emaús, nossa vida pode redescobrir o sentido e os textos se tornam transparentes e muito atuais. Os textos deixam de ser uma teoria para nos falar ao coração, porque escritos para nós.

Também os dois discípulos de Emaús tiveram a ilusão de glória. Posto a serviço de Jesus, eles se dedicaram valorosamente pela transformação radical do povo. Combateram contra as doenças e Satanás. Saíram anunciando o Reino com o poder e a força de Jesus. Tinham constatado que até os espíritos maus se submetiam ao poder transmitido a eles por Jesus.

Pois bem, chegou o dia em que eles se descobrem feridos, sem alento e sem forças, como tantos de nós. Tentemos mergulhar na crise, no cansaço e desalento dos discípulos de Emaús. Da profundidade da contemplação pode depender a autenticidade de nosso encontro pessoal com Jesus. Assim parecia terminar a vida de discipulado daqueles dois, fugindo para Emaús, cansados, desiludidos, derrotados, no caminho sem volta.

Os discípulos de Emaús sofrem do mal terrível da acédia pastoral. É uma surpresa constatar que o que Papa Francisco descreve como acédia pastoral se aplica como uma luva aos discípulos de Emaús e a nós. Vejamos juntos: “A maior ameaça é o pragmatismo cinzento da vida cotidiana da Igreja. Desenvolve-se a psicologia do túmulo, que pouco a pouco transforma os cristãos em múmias de museu. Desiludidos com a realidade, com a Igreja e consigo mesmos, vivem constantemente tentados a apegar-se a uma tristeza melosa, sem esperança, que se apodera do coração como o mais precioso elixir do demônio. São almas ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentimento de discrição e moderação. Nos tempos atuais, não veem senão prevaricação e ruínas. Devemos discordar desses profetas de desgraças, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se estivesse iminente o fim do mundo” (EG 83.84).

Quais são as consequências da acédia pastoral? Quem é acometido por ela se afunda em uma insatisfação profunda e permanente, sente-se mal no lugar onde vive, experimenta um desgosto em tudo, despreza os irmãos que vivem com ele e em relação aos quais passa a enxergar apenas os defeitos, ignora os distantes, perde o sentido de humor, reage com impaciência, foge do convívio com os seus semelhantes, tudo o aborrece, sente-se sem coragem para os trabalhos que lhe competem, não consegue aplicar-se ao trabalho manual, à leitura ou entregar-se à oração. Além disso, vive constrangido por estar assim, se sente inútil e sem capacidades, se vê asfixiando o ambiente em que vive, em vez de contribuir positivamente para a vida da comunidade. Se lhe perguntam o que está acontecendo com ele, responde: “nada”. Se interrogam sobre o que precisa, ele diz também “nada”, mas nem ele sabe. Na acédia, a pessoa não perdeu propriamente o objeto da sua fé. Não perdeu a fé em Deus, mas perdeu a vitalidade, o entusiasmo, a alegria do compromisso. E, com isso, sobrevém um inevitável sentimento de abandono e solidão. Essa descrição foi feita por S. João Cassiano, na sua obra Instituições Cenobíticas e Remédios para os Oito Vícios Capitais, X, (+430-33).

Tenho que confessar: eu me identifico com aqueles dois discípulos! Reconheço-me nessas descrições: há momentos em que o desejo parece extinguir e a vitalidade diminui. Já vivi momentos de prostração mais ou menos intensos, experimentei a falta de interesse e de ânimo, uma perda do gosto de viver, a vontade de não sair da cama de manhã.

Aprendo com essas vivências que a acédia pastoral não é imediatamente paralisante: ela pode se instalar silenciosamente na minha vida: a vida flui, os compromissos são cumpridos, mas, no fundo, sinto-me desligado, arrasto-me na observância de minhas obrigações e da agenda, sem finalidade, sem objetivo, sem animação profunda.

Reconheço que a acédia é um demônio perigoso sempre me rodeando. Vejo a impotência e a ineficácia dos esforços pessoais. Sinto a desilusão de uma vida que parece inútil. Sinto-me insatisfeito, descontente, desmotivado com aquilo que vivo e faço. Fico cansado com as pressões que são superiores às minhas forças. Percebo que muitas vezes me refúgio e me defendo por detrás do cumprimento de meu ofício. Causa-me tristeza, quando exerço o sacerdócio de maneira mecânica e sem envolvimento pessoal. Sinto que o primeiro amor vai se extinguindo. De fato, o estado de espírito dos discípulos de Emaús descreve o que vivencio.

A acédia pastoral foi secularizada e reduzida a uma síndrome: foi rebatizada de “burnout”. A patologia, mesmo que tratada com procedimentos médicos, não pode ser curada somente com comprimidos. Acho um empobrecimento tratar e estudar burnout somente do ponto de vista psicológico ou psiquiátrico. Tanto o burnout quanto a acédia são assuntos da alma e necessitam de tratamento da pessoa toda e por isso implicam um itinerário espiritual a ser trilhado com o auxílio da graça.

O texto bíblico é de um bom humor delicioso e sanador. Mostra com finura que nós somos cegos como aqueles dois que não reconheceram que Jesus conversava com eles. Não enxergamos, não porque Jesus não esteja presente; não vemos simplesmente porque relutamos em fazer a Sua vontade.

Graças a Deus! A profunda decepção dos discípulos não foi causada por promessas falsas de Jesus. Jesus nunca prometeu o que os discípulos esperavam.

Foi bom para os discípulos manifestar a decepção que corroía por dentro. Agora eles têm condições de reconhecer que o problema não era o que Jesus prometeu, mas o que os discípulos esperavam. Eram as esperanças que estavam erradas, não as promessas de Jesus.

Com razão Jesus adverte os discípulos: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram”. Eles não tinham entendido nada dos profetas, por isso começa uma aula pascal na qual Jesus explica as Escrituras. Os discípulos conheciam a Escritura, mas a interpretavam mal: tinham selecionado da Escritura somente as partes triunfais e imaginaram um messias segundo essa seleção. Jesus mostra que os discípulos devem também ler as passagens do Servo sofredor, a paixão de Jeremias e os salmos de lamento dos sofredores. Mais importante ainda é ler toda a Escritura a partir da vida e obra de Jesus. Somente assim terão acesso ao sentido autêntico das Escrituras.

A explicação aquece o coração dos discípulos, por isso eles pedem com insistência: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando”. Convidemos nós também o Senhor vivo: fica conosco, Senhor!

Jesus toma refeição com os discípulos e repete gestos que tinha feito na última ceia: “tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía”. Isso abre os olhos dos discípulos e revela a identidade daquele misterioso peregrino: é Ele; está vivo; as Escrituras falaram, de fato, de tudo o que deveria acontecer! Jesus desapareceu da vista deles, porque agora a sua presença física não é mais necessária. Jesus permanece presente e eles experimentam isso.

A experiência do Ressuscitado é grande demais para ficar com eles. Imediatamente, sem se importar com o cansaço e a distância, retornam para Jerusalém para anunciar a Boa nova da Ressurreição.

 

Por Dom Julio Endi Akamine, SAC - Arcebispo de Sorocaba - SP