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Notícias

14/09/2024 - In Memoriam

Padre Alziro Roggia (1839-1986)

Faleceu, na tarde de domingo de 14 de setembro de 1986, no Patronato, em Santa Maria. Um profundo sentimento de surpresa, de estupor quase, tomou conta de todos, sobretudo da comunidade palotina, pois contava somente 47 anos de idade e foi fulminado de forma implacável por um enfarte no miocárdio.

Seu corpo foi velado inicialmente na capela interna do Patronato e, no dia seguinte, foi conduzido à Igreja de Santo Antônio. Nas primeiras horas da tarde foi celebrada missa com a presença de grande número de funcionários do Patronato, paroquianos, amigos, familiares, muitos sacerdotes palotinos e de outras paróquias da cidade, presidida pelo Superior Provincial, Pe. Arnaldo Guiuliani. E uma multidão também acompanhou o féretro até Vale Vêneto, onde foi celebrada mais uma eucaristia, presidida pelo Pe. João B. Quaini, e oficiado o ato religioso de encomendação do corpo.

Pe. Alziro nasceu em Faxinal do Soturno, no dia 28 de abril de 1839. Era filho de Amadeo Roggia, falecido a 04 de setembro de 1985, e de Adelaide Rosso, em cujo lar nasceram 12 filhos. E nesta família profundamente religiosa Deus escolheu diversos filhos para a vida religiosa: duas tornaram-se religiosas da Congregação do Imaculado Coração de Maria (Irmãs Elva e Nídia), uma (Nilda) se fez religiosa palotina, três são palotinos (PP. Alziro e Elói, que trabalha na Igreja de São Francisco de Assis, em Ariquemes, RO, e Oscar, que é irmão leigo em Palotina, PR). Alziro entrou no Seminário "Rainha dos Apóstolos", em Vale Vêneto, em 1952, onde fez o curso ginasial, e em Polêsine (1958-1960) completou o curso secundário (científico). No ano de 1961 foi para Santa Maria, no Colégio Máximo, onde fez o primeiro ano de Filosofia. E, no ano de 1962, sob a direção do Pe. Dorvalino Rubin e na companhia de mais 17 colegas, fez o ano de Noviciado em Augusto Pestana. Retornando para Santa Maria, continuou o curso de Filosofia, com a particularidade de, durante o ano de 1964, haver alternado sua estadia, juntamente com seus outros quatro colegas de curso, ora no Patronato, como ajudante de disciplina no Ginásio, ora no Colégio Máximo para o estudo da Filosofia. E neste mesmo ano de 1965, juntamente com a complementação do curso de Filosofia, iniciava a Teologia.

Ordenou-se sacerdote no dia 07 de dezembro de 1968, em Caiçara (RS), onde residiam os seus pais.

O início de seu ministério sacerdotal foi na Paróquia de Coronel Vivida (PR), de 1969 a meados de 1970, dedicando-se com exemplar entusiasmo ao trabalho pastoral nas capelas. Sua estadia, porém, não pôde ser longa nesta comunidade devido a problemas de saúde. Ainda na época em que era estudante sofria de hipertensão arterial e esse quadro fez com que, a conselho médico, buscasse para trabalho uma região de baixa altitude. Veio, então, para Santa Maria, mais diretamente para o Patronato, onde permaneceu até à morte. Aí ele continuou seu trabalho pastoral no bairro do Patronato e, ao mesmo tempo, foi sendo introduzido na administração da própria instituição. Com a nomeação de Pe. Isidoro Moro como Diretor do Patronato, em julho de 1971, ao Pe. Alziro foi confiada a vice direção. Com admirável entendimento na direção, a obra do Patronato entrou numa fase de grande expansão, ampliando e modernizando o setor industrial da serralheria, marcenaria, olaria e o setor agrário. E a instituição social do Patronato hoje atende a 800 estudantes gratuitos, fornecendo, inclusive, atendimento médico e dentário gratuito. Com a transferência do Pe. Isidoro, Pe. Alziro, em 1978, assumiu a direção desse complexo industrial. E com uma incomum capacidade e uma admirável dedicação consagrou todos esses anos, todos os meses, todos os dias, sem jamais permitir-se um período de férias, ao serviço dessa obra!

Em contato com seus familiares, seus manos, conhecemos outros detalhes de sua personalidade, sobretudo no seu relacionamento com a família. "Ele era o quinto filho e o primeiro filho homem - fala uma mana do Alziro - e isso explica suas características pessoais de responsabilidade, de comando e de paternidade, uma vez que ele foi o nosso segundo pai no que se refere à união e à reunião da família para encontros e comemorações especiais. E isso sentíamos sobretudo quando vivíamos em comunidades distantes e eram necessárias tomadas de decisões em questões materiais ou em assuntos familiares. Na assistência aos pais foi modelo e doação no plano humano e espiritual. Durante a doença e especialmente na morte do nosso pai, pudemos constatar o seu zelo sacerdotal para rezar e celebrar a eucaristia conosco. Era ele quem marcava o dia e a hora e convocava a todos nós, irmãos, para a missa na casa do pai, quando ele se encontrava impossibilitado de ir à igreja! E após a morte do pai continuou a ser o esteio em que a mãe se apoiava e sentia segurança."

Um outro traço da personalidade forte do Pe. Alziro nos é traçado por outro mano, quando ele afirma que "sua pessoa se caracterizava pelo serviço, pelo fazer, pelo executar! Era um fidelíssimo observador das leis e normas que se referiam ao seu trabalho na direção do Patronato. E o mesmo se poderá dizer de sua fidelidade na vida pessoal e espiritual"'. Na convivência de longos anos com ele se pôde perceber que na sua espiritualidade transparecia um amor profundo, simples e muito confiante a Nossa Senhora. Daí sua preferência por celebrações em grupos pequenos e, sempre que possível, para pessoas simples e humildes como ele era no seu interior. Mas seu mundo interior pouco o manifestava! Uma sua mana falava que "transparecia nele uma nítida e visível dificuldade de externar o que sentia, seus sentimentos e emoções. Era facilmente percebida esta sua dificuldade, assim como se percebia o seu sofrimento por ser assim e a luta, o empenho em buscar ser diferente." (João B. Quaini)

Vejamos o perfil de Pe. Alziro traçado pelo colega de comunidade Pe. Alderige Baggio...

Viveu a quase totalidade da sua vida sacerdotal no Patronato, a serviço da educação e promoção da juventude pobre dos bairros santa-marienses. Recordamos, antes de tudo, o seu perfil físico. Era alto, gordo e corado; embora de caráter dinâmico e forte, distinguia-se pelo seu trato simples e ameno. Alegrava-se intensamente com qualquer anedota de bom gosto. Tinha predileção pelo homem das coxilhas, gostando de vestir-se à campeira, de caçar botas reúnas e de cobrir-se com um vasto chapelão texano para sair campo a fora, não a cavalo, mas como um gaúcho moderno, no volante de uma pick-up ou de uma Toyota de tração nas quatro rodas, que corcoveas-se no dorso das coxilhas. Não se cansava de escutar causos dos pampas, mesmo que se tratasse de velhas e esfarrapadas estórias de chimangos e maragatos. À mesa (seu tempo de lazer se reduzia aos poucos instantes das refeições da comunidade), para que todos rissem, provocava o saudoso Ir. Lourenço ou qualquer outro contador de causos, a recontar velhas patranhas das quais os maragatos emergiam sempre em proporções heroicas e os chimangos como sorros matreiros. O Pe. Alziro foi grande, não só pela massa do corpo, mas também pela simplicidade e alegria cativante do coração.

Passemos agora a seu perfil espiritual. Como religioso encarou e viveu o lema dos monges beneditinos. Sua vida se torna visível com duas palavras, oração e trabalho (ora et labora). Mas como harmonizar oração e trabalho num homem de 18 horas diárias de atividade intensa?

Para rezar a missa e orar, o Pe. Alziro levantava às 4h30min da madrugada. A sesta se reduzia a ressonar 30 minutos estendido sobre um pelego num sofá da sala da televisão. Visitava, caminhando a pé, todos os departamentos de trabalho e oficinas. Falava com os operários, tratando-os como companheiros e fazendo-os ver a grandeza do trabalho humano ao qual tudo se deve depois de Deus. De espírito criativo, modernizou o setor industrial e agrário do Patronato, criando novas técnicas e departamentos de produção. De espírito maleável e tolerante, como diretor de uma empresa de 400 operários e de uma instituição social de 800 estudantes gratuitos, procurava evitar sempre conflitos e debates. Sofria calado e silenciosamente porque acreditava na força do bem e da justiça. Sem querer isentá-lo plenamente de certa inclinação ao manejo exclusivo do poder, soube durante tantos anos evitar conflitos no seu relacionamento múltiplo com operários e clientes, com estudantes e professores. Como membro de uma comunidade religiosa, primou como homem de paz e de respeito. Foi sincero e leal em toda e qualquer estação tanto nos dias de sol com nas tardes de chuva.

Vejamos agora algo de seu trabalho. Objetarão alguns que foi um padre, antes de tudo, envolvido em atividades seculares no comando de uma grande empresa industrial. Basta, porém, abrir os olhos e refletir racionalmente para que se verifique o sofisma mentiroso de tal afirmação. A empresa material sempre foi apenas um simples meio para conseguir o nobre fim de promover e educar a juventude pobre. Trabalhou e lutou para, no espírito do Concílio do Vaticano II, servir aos pobres e aos jovens. Promoveu neles o espírito público e o amor à família, capacitando-os a adquirir habilidades profissionais úteis a si mesmos, a suas famílias e à sociedade. Ensinou-lhes as virtudes cristãs da honestidade, sinceridade, justiça e coragem. Incutiu-lhes o valor das virtudes que levam a respeitar a ordem e os valores da vida não só individual, mas também social. Preparou-os para que não se omitam e participem ativamente da vida social e econômica, cultural e política do mundo secular. Motivou-os para que, através do exercício do trabalho honesto, contribuam para que se realize na história o plano da criação. A sua coragem e destemor diante de alguns "fraticellis" angelistas, auto ungidos como profetas do mundo moderno, nos deixou um testemunho de coragem e destemor para que, a convite do Vaticano II, ninguém deixe de promover o progresso e bem-estar do mundo secular. A todos fez ver que o que se visa com a produção empresarial do Patronato não é apenas abarrotar o mercado de bens materiais em procura de dinheiro, mas sim obter meios para promover a educação religiosa e profissional dos filhos de gente pobre dos bairros. Soube subordinar o material aos valores espirituais e religiosos. Jamais entrou em debate com os detratores do seu trabalho empresarial e da instituição do Patronato, por considerá-los cegos de espírito, incapazes de ver não só o ideal e o bem social, mas também incapazes de enxergar pavilhões de ensino, campos e quadras de esporte e centenas de jovens. Entrar em debate com esse tipo de gente, para o Pe. Alziro, seria tão inútil como chover no mar ou falar do encanto colorido das flores a um cego de nascença.

Se, ao estilo clássico do jornalismo e nos moldes da pirâmide invertida, me fosse exigido abreviar a bibliografia do Pe. Alziro, diria: Viveu sem cessar a experiencia existencial do trabalho e da oração”.

Por Pe. Alderige Baggio, SAC