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10/07/2024 - In Memoriam

Padre Caetano Pagliuca (1874-1957)

Pe. Caetano Pagliuca foi sempre tido como napolitano, embora fosse oriundo da Província de Avelino (Itália). É que aquela Província entesta na de Nápoles e confina com as faldas do Vesúvio. Os habitantes dela, praticamente, têm os mesmos hábitos e língua dos napolitanos.

Todos o conheciam pelo apelativo gentílico de napolitano, apelativo que, nas rodas sociais, assume às vezes facetas de hilaridade, por causa da contribuição anedótica que os mediterrâneos de Nápoles fornecem ao mundo, à feição dos portugueses, e por causa de suas peculiaridades artísticas, comerciais e linguísticas.

Pe. Caetano era de origem humilde. Seus pais colhiam na terra a abundância dos frutos do trabalho. Nasceu em Montefalcione, Província de Avelino, Arquidiocese de Benevento.

Nápoles - terra de grandes tradições romanas e, hoje, alma artística da pátria - exerceu sempre influência no distinto sacerdote palotino. Deu-se o nascimento dele a 28 de março de 1874. Pouco sabemos de sua infância, apenas que se embalou entre plantações de avelã, parreirais de fausto vegetal e entre colheitas agrícolas, gado, couros, indústria de tecidos, chapéus e papel.

Montefalcione, que significa "monte-foice grande", devido a seu formato curvo de foice para cegar cereais, ou falciforme, é panorâmico e evocativo. Os vinhos são lá abundantes e robustos, os quais, auxiliados pelo clima, proporcionam de fato saúde válida à gente. A propósito, contava Pe. Pagliuca que, em sua infância, viu um dia o pai atirar com caneca um resto de vinho contra a parede da adega. Deixou nela o vinho longo traço vermelho. Em uma visita aos pais, mais tarde, já sacerdote maduro, lá encontrou ainda a riscadura do vinho, assinalando a parede de pedra.

Aos sete anos de idade fez Caetano Pagliuca a Primeira Comunhão, na Igreja Matriz da terra natal. Em 1884, com dez anos, ingressou na Congregação dos Padres Palotinos, em Roma, onde cursou o ginásio da "Propaganda Fide", tendo tido como diretor o Cardeal Basílio Pompili.

O primeiro contato com a Congregação Palotina foi devido aos trabalhos apostólicos de sacerdotes da mesma Congregação na Arquidiocese de Benevento e, em particular, na Paróquia de Montefalcione.

Realizou ele o Noviciado em Másio, Piemonte, todo o ano de 1891, emitindo a primeira profissão palotina a 02 de fevereiro de 1892.

O embarque para o Brasil deu-se em seguida. Abandonar o seio suntuário de uma civilização milenar, com acenos de futuro primoroso, significa ter alma grande, pronta para a heroicidade. E próprio de corações talhados para a grandeza.

Realizou, em seguida, os estudos de Filosofia e Teologia no Seminário de Porto Alegre, morando, no início, num lanço do próprio seminário, durante dois anos, e depois no colégio de Tristeza. Ainda antes de ir para Tristeza, morou na cidade, em casa própria. Era o ano de 1894. Já em 1896 foram estudantes palotinos habitar no Colégio Palotino, às margens do Guaíba.

Tomou ordens sacras a 30 de novembro de 1897, de Dom Cláudio Ponce de Leão. Cantou a primeira missa solene a 08 de dezembro do mesmo ano, em Porto Alegre. Permaneceu em Tristeza até 1900, trabalhando entre o povo e o colégio. Caetano Pagliuca foi designado para a Paróquia da Conceição, em Santa Maria, seu campo principal de ação apostólica, em 1900, tendo-se dado a posse a 1º de janeiro de 1901. Até 25 de dezembro de 1900, antes dele, tinha sido vigário interino da Conceição o Pe. Pedro Wimmer, palotino. Pagliuca tinha 26 anos, ainda em pleno verdor da existência.

A igreja matriz santa-mariense tinha sido, pouco antes, interditada por causa da expulsão do vigário Carlos Becker.

De lá até nós, todos os acontecimentos religiosos e sociais estão ligados a este espírito incansável, zeloso, empreendedor, ardente e vulcânico como o seu Vesúvio explosivo. Tinha no seu olhar a cintilação dos grandes homens de seu país e na alma o arrojo, a ação múltipla, a bravura e o desassombro. Não temia o ambiente adverso e anticlerical. Enfrentava a aspereza brutal das ruas e dos homens. Arrostava a mofa e os ovos podres sem ser temerário. Logo que chegou, um dia, deu um sopapo a um português irreverente, à porta da igreja. Passado o momento da irrupção sanguínea, pediu desculpas ao "galego" audacioso, mas não sem endereçar-lhe uma monitória. O bofetão napolitano e a repuxada verbal condicionaram-lhe mais respeito por parte do público.

A 08 de dezembro de 1902 lançou Pagliuca a pedra fundamental da Igreja Matriz, que é a Catedral de hoje. Sete anos de trabalho. A comissão construtora era esta: Antero Correia de Barros, Aníbal de Prímio, Amadeu Weinmann e Antônio Alves Ramos. Deu-se a inauguração a 05 de dezembro de 1907. Sagrou-a solenemente Dom Cláudio Ponce de Leão, Bispo do Rio Grande do Sul.

Em 1903 inaugurou Pe. Caetano o Hospital de Caridade. Em 1904 fundou o celebre Colégio São Luiza, então simples escola paroquial, o qual deu origem ao Colégio Santa Maria, ambos ainda hoje pertencentes aos Irmãos Maristas. Em 1905 foi Pagliuca a mão direita no erguimento do Colégio Santana. Em 1914 inaugurou o Educandário São Vicente. Em 1925, o Asilo Padre Caetano. Em 1929 fez entrega ao povo do Rio Grande do Sul do vasto e extraordinário Patronato Antônio Alves Ramos... Teve ele atuação destacada na criação do bispado por Pio X, em 15 de agosto de 1910, do qual se tornou governador duas vezes. Foi esteio na fundação do Seminário Diocesano. Fundou o Círculo Operário, em 1920. Auxiliou ao Dr. Francisco Mariano da Rocha a fundar a Faculdade de Farmácia. Transformou o interior, que pontilhou de capelas.

Cargos dele na Congregação Palotina: de 1903 a 1909 foi Conselheiro da Missão Palotina Brasileira; de 1936 até a morte foi Conselheiro da Província Sul-Americana.

A maior prova moral que experimentou foi sair da Catedral, em 1937, para nova paróquia. De fato, por ocasião do centenário da fundação da União do Apostolado Católico, foi lançada a pedra fundamental da Igreja das Dores, fazendo o discurso oficial o Dr. Protásio Antunes de Oliveira. Dom Antônio Reis, Bispo de Santa Maria, criou a Paróquia das Dores a 28 de fevereiro de 1937. Pagliuca tomou posse no mesmo dia e nela permaneceu como pároco até 1944. Deste ano até 1948 trabalhou nela como vigário cooperador. Em 1948 foi morar no Hospital de Caridade e nele funcionou como capelão e provedor até a morte.

Deu-se o seu falecimento a 10 de julho de 1957, com 83 anos, faltando apenas meses para celebrar 60 anos de sacerdócio - seu esperado jubileu de diamante.

O prefeito Vidal Dânia decretou luto oficial. Por ocasião das exéquias, falou Dom Luís Victor Sartori, em frente da Catedral. Falaram, ainda, na Câmara Municipal, o Dr. Miguel Sevi Viero e Gabriel Silveira Abott, em nome do Poder Executivo. Um projeto de lei doou terreno e túmulo de granito à Província Palotina para enterro dele. Pouco antes da morte, recebeu Pe. Pagliuca o título de cidadão santa-mariense, que só não lhe chegou às mãos por causa da doença - título contra o qual votaram cinco vereadores dos que compunham a Câmara Municipal. Como é ingrata e traidora a intransigência humana!

Em 1958 o Hospital de Caridade ergueu ao Pe. Caetano um busto de bronze no pátio. O governo municipal deu o nome de rua Padre Caetano a uma travessa ao lado da Igreja das Dores. Dia 19 de setembro de 1958, pela Secretaria da Educação e Cultura, foi denominado "Caetano Pagliuca" o então Ginásio Estadual desanexado da Escola Normal Olavo Bilac.

Durante a peste bubônica de 1924 ficou ele firme no seu posto. Contraiu a epidemia, mas por milagre inexplicável superou-a. Sofreu de ferida feia, que sempre sangrava, numa perna, durante longos anos.

Foi muito caluniado, precisamente porque vivia sempre na trincheira, num fogo de barragem contínuo. Por exemplo: um dia, quando disparou seu cavalo atrelado, torcendo completamente a aranha e ferindo-o seriamente, os malvados logo espalharam que fora derreado a relho e a cacete ao visitar uma amiga.

Pagliuca matou-se em viagens e trabalhos, a cavalo e de carruagem primitiva. No início, sua paróquia compreendia Arroio Grande e Júlio de Castilhos. Era extensão imensa. Fazia trabalhar de fato a seus auxiliares, podendo nós darmos testemunho disto...

Caetano Pagliuca é, sem dúvida, o maior palotino da Província Sul-Brasileira. Foi sempre um trabalhador austero e infatigável. Era empreendedor, generoso, franco, até violento, mas que logo reconhecia a quebra da virtude. Até nas coisas irrisórias. Encontramo-lo, um dia, abatidíssimo. Perguntamos-lhe o porquê. Respondeu-nos: "Tive a infelicidade de mandar um patrício pra longe... com palavrão português, indigno de meu estado. Estou agora me penitenciando". Num discurso às Senhoras do Apostolado da Oração da Catedral, durante a despedida, em 1937, disse ele: "Quando eu morrer, meu desejo é ser enterrado no batistério da Catedral, escondido".

Muitas obras ergueu Pagliuca, porém nenhuma maior do que a das almas. Delineou capelas e igrejas. Edificou templos e colégios, mas a obra de maiores proporções foi a que edificou nos corações de sua gente. Transformou a mentalidade religiosa do povo. Traçou rumos. Clareou consciências. Descativou de paixões. Destronizou vícios. Enflorou de virtudes os espíritos. O maior monumento que levantou no meio das multidões foi o das almas trabalhadas para Deus. Ainda escuro, especialmente nas manhãs invernais, luzia uma vela no confessionário. Era o cura que rezava o breviário e esperava almas. Na Casa Paroquial lia muito, estudava sempre e manejava com prazer velhos alfarrábios, calhamaços ancestrais e cartapácios italianos ou franceses, especialmente antigas edições da Bíblia, que ele armazenava em sua memória invejável. 

Sua cultura teológica e ascética transcendia os limites comuns. Possuía mística firme e piedade profunda. Passava longas horas diante do tabernáculo, em prece. Nutria-se sempre de medula divina - o segredo de seu contínuo milagre em Santa Maria. Sua vida desdobrou-se sobre a sapata eterna da alta espiritualidade. Viveu a Igreja - eis a mola de seus frutos! Manejava o coração do povo como queria, porque, além de tudo, era de uma maciez evangélica, que cativava. 

Mais do que em praça pública, ele já está erguido sobre o coração das turbas e sobre a base de cimento e ferro da história. Retratou-o bem Goethe: "A ação torna o homem feliz" ("Die Tätigkeit ist was den Menschen glücklich macht"). E Leonardo: "Chi semina virtù, fama raccoglie"...

 Por Pe. Pedro Luís Bottari, SAC