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Notícias

27/06/2024 - In Memoriam

Padre Vitor Darós (1917-1980)

Ao meio-dia de 27 de junho de 1980, na Casa de Retiros, em Santa Maria, faleceu Pe. Vitor Daros. Com problemas de saúde, que uma operação constatou ser câncer, em setembro de 1979, lentamente viu sua vitalidade esvair-se, ele que, como ninguém, amava fortemente a vida. Assistido pelos confrades da Casa de Retiros, teve suas últimas horas abençoadas pelo seu primo, Dom Alberto Trevisan, chegado do Rio na véspera da morte. Seus restos mortais foram sepultados no cemitério dos padres palotinos, em Vale Vêneto, após a concelebração, sob a presidência de Dom Alberto, que contou com a presença de muitos sacerdotes, grande número de pessoas, inclusive dos seminaristas do Colégio Máximo e do Seminário de Vale Vêneto.

 Pe. Vitor Daros nasceu em Novo Treviso (Faxinal do Soturno, RS), a 08 de setembro de 1917. Inicialmente estudou em Vale Vêneto (1928), mas foi em Santa Maria (1930-1934) que fez o curso ginasial e clássico. Em 1935 ingressou no Noviciado dos padres palotinos, tendo feito os cursos de Filosofia e de Teologia no Seminário Central de São Leopoldo, dos padres jesuítas (1937-1943). Ordenou-se sacerdote em sua terra natal no dia 27 de dezembro de 1942, pelas mãos de Dom Antônio Reis, juntamente com seus colegas de seminário e conterrâneos Alberto e Vitélio Trevisan.

 Seus primeiros trabalhos foram na Paróquia das Dores, em Santa Maria, tendo sido, depois, durante dois anos, pároco de Ibarama (Sobradinho). Em 1948 recebeu o convite para ser capelão militar. Transferindo-se para o Rio de Janeiro, começou a prestar serviços religiosos aos militares da Base Aérea do Galeão e, depois, na Guarnição do Realengo. De 1954 a 1977 foi capelão da Brigada Aeroterrestre (paraquedistas), como assistente religioso, participando de manobras, saltos e demonstrações em mais de cem cidades do Brasil e no exterior.

Em maio de 1965 foi designado pelo Chefe do Estado Maior das Forças Armadas para integrar, como capelão, o Destacamento Brasileiro da Força Armada Interamericana, a fim de deslocar-se para a República Dominica. na, no cumprimento de missão de segurança solicitada pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Aí permaneceu até fevereiro de 1966. Regressando, reassumiu a capelania da Brigada Aeroterrestre e, ao mesmo tempo, tornou-se coadjutor da Paróquia do Realengo. De 1968 a 1972 foi pároco da Igreja de São Sebastião na Vila Militar, em Deodoro, continuando como capelão da Brigada Aerotransportada. De 1973 a 1977 continuou no mesmo cargo, acumulando a capelania da 1ª Divisão do Exército e da 1ª Brigada Motorizada.

 Padre Vitor viveu, portanto, quase a metade de sua vida como capelão militar. Além do serviço religioso, fez o curso de paraquedismo, tornando-se também instrutor. Realizou 243 saltos de paraquedas. Aposentando-se, passou o ano de 1978 com seus familiares. No ano seguinte, já em serviço na Paróquia de Dona Francisca, começou a sentir complicações de saúde. Transferindo-se para Santa Maria, foi paciente de operações, incapazes todas de conter o câncer que lhe extinguiu a vida. Pe. Vitor foi velado na Casa de Retiros. Pe. Paulo Quedi, capelão militar da Guarnição de Santa Maria, celebrou na despedida, com a presença de muitos militares que, inclusive, prestaram-lhe homenagem cobrindo o ataúde com a Bandeira Nacional. Após esses dados sintéticos sobre a vida do Pe. Vitor, é conveniente que conheçamos um pouco a intimidade dele. Temos aqui um importante depoimento do Pe. Claudino Magro, um bom samaritano, que o acompanhou durante os últimos e mais dramáticos dias: “Depois de 30 anos de serviço religioso prestado às Forças Armadas, sediadas no Rio de Janeiro, Pe. Vitor Daros se aposentara. Deixando a Cidade Maravilhosa, buscou os pagos. Era justo que a aposentadoria o trouxesse para o convívio dos confrades e familiares, o que aconteceu em 1978. Recém-começada tal recompensa, abriu-se a porta da grande renúncia. Deus começou a insinuar-lhe que deveria passar para a aposentadoria eterna. No dia 15 de setembro de 1979, após rigorosos exames feitos pelos médicos Riograndino Denardin e Eduardo Rolim, foi contatado câncer maligno! Não sendo avisado da gravidade do mal, Pe. Vitor alimentava a esperança de melhorar. Porém, era o início de uma lenta e dura via-sacra. A doença o foi minando… As forças enfraqueciam-se sempre mais. E um dia confidenciou a um confrade: “Não compreendo mais a natureza”. A gente, sabendo da dura verdade, compartilhava de sua angústia, mas não se tinha coragem de participar-lhe o que se passava no seu já débil corpo. Passaram-se meses. Foram elevadas muitas preces a Deus e a São Vicente Pallotti pela sua saúde pelos seus confrades, familiares e mesmo pelos seus amigos militares do Rio, como atestam diversas cartas. Mas Deus estava pedindo a grande renúncia que, humanamente falando, parecia intempestiva.

No dia 29 de maio escrevi na minha crônica: “O Pe. Vitor Daros sempre mais fraco… Está se esvaindo…” Os sinais de desenlace mostravam todas as faces que a caminhada ia para o seu fim. No dia 1° de junho, festa da SSma. Trindade, após comovente concelebração, o Provincial administrou-lhe os Santos Óleos e, no fim da cerimônia, a pedido deste, o Pe. Vitor deu a bênçãos aos presentes. Fê-lo com muita comoção. Houve outras missas no quarto dele, nas quais sempre concelebrava piedosamente no seu leito de dor: Quase todo o mês de junho passei- o – por assim dizer – como enfermeiro do Pe. Vitor. Eu me senti feliz em poder servi- lo e ajudá-lo. E um dia ele me disse: “Pe. Claudino, eu me entrego ao senhor’, querendo dizer que não podia mais fazer nada por si, confiando-se ao confrade. Quando eu entrava no quarto, eu lhe dizia: “Pe. Vitor, está na hora do banho e de trocar as roupas”. A resposta era: “Você é que sabe…”. Era necessário fazer isto de seis a sete vezes por dia, porque o tipo de câncer que minou a sua vida foi terrível. Nos últimos dias para nada adiantava tomar alimentos; e na derradeira semana apenas aceitava um pouco de água açucarada e nada mais! Quando comecei a atendê-lo, por várias vezes pensei confidenciar-lhe a gravidade de sua doença, embora implicitamente a gente via e percebia que ele imaginava isto, mas… e a coragem? Em geral, numa doença assim, oculta no interior do organismo, a gente não quer alarmar o paciente. Foi o que se deu com o Pe. Vitor, embora os sinais fossem muito evidentes para ele mesmo. No dia 15 de junho, o Pe. João Quaini, após breve confidência, disse-lhe claramente: “Pe. Vitor, a sua doença é câncer”. Nada o perturbou; antes recebeu o aviso tranquila e resignadamente. Logo prometeu pôr em dia tudo. Em primeiro lugar quis fazer uma confissão geral e receber do mesmo Pe. João a absolvição! No dia 22 de junho foi a última missa no seu quarto, com a presença de familiares. Diversos soltaram lágrimas. E na manhã de 26, depois de lhe dar o banho e de ter-lhe dado a santa comunhão, confidenciou- me: “Pe. Claudino, amanhã o meu último dia! Será o fim”.

Haveria ainda alguma coisa mais para dizer sobre o Pe. Vitor. Salientemos que ele, implicitamente, nos deixou um testemunho de desprendimento e renúncia. Sua volta definitiva ao Rio Grande do Sul, ao aconchego dos familiares e confrades, foi mais que merecida e ardentemente suspirada. Muitos de nossos jovens padres nunca o tinham visto, porque ele passara quase todo o seu sacerdócio longe da maioria dos membros da Província.

 Assim que não pôde se inserir plenamente na mesma. Contudo, viveu o espírito palotino. Por força de seu múnus adquiriu um modo rígido de viver, porque devia sujeitar-se a regulamentos do Exército, onde tudo obedece a um cronograma. Por natureza, Pe. Vitor era de pouca conversa e diálogo. Muitos de nós mesmos, devido a temperamentos diversos, temos também dificuldades de dialogar entre confrades. O que, porém, mais me impressionou na doença do confrade falecido foi perceber que se consumia como uma vela, sem se queixar ou se lamentar do mal que o arrebatou do nosso meio.

Quando tive a oportunidade de visitar o Pe. Eugênio Weber, em Limburgo, este me declarou: “Eu estou esperando que Nosso Senhor venha me buscar… e nunca vem”.

Deus quis chamá-lo depois dos 90 anos. E o Pe. Vitor foi chamado na idade de 62 anos. Desígnios de Deus! Revendo a lista dos falecidos de nossa Província (desde a Missão brasileira…), começa com o Pe. André Susin, que só pôde celebrar nove missas; morreu na idade de 23 anos. O mais idoso, Pe. Antônio Bombassaro, faleceu com 86. E nosso confrade falecido, um ano e meio após ser aposentado, quando com toda a justiça podia usufruir um merecido descanso, deixou de pertencer ao nosso convívio! Que isto nos sirva de motivação ao desprendimento e à renúncia!”

 O QUE DISSERAM DELE

Foi evidenciado nos dados biográficos que o Pe. Vitor (no registro Victório) dedicou quase a metade de sua vida como assistente religioso a militares do Rio de Janeiro, sem descurar a pastoral a outros que o procuravam. Testemunham isto dezenas de depoimentos de seus comandantes, registrados no seu currículo de capelão. Eis algumas referências elogiosas:

 “O Capitão Capelão Padre Victório Daros serviu neste QG de 18 de setembro de 1951 até a presente data, tendo exercido as funções inerentes à sua carreira. Dotado de grande capacidade de trabalho e elevado senso de responsabilidade, o Capitão Daros foi um prestimoso colaborador do Comando, destacando-se em outros, os serviços prestados na orientação moral e religiosa dos elementos subordinados a este Centro, e a direção do cinema da Guarnição. Ao Capitão Padre Daros este Comando deseja feliz êxito na sua nova Unidade, onde estou certo irá emprestar o brilho de sua atuação sempre valiosa.” Gen Div Octávio da Silva Paranhos, Comandante do CAER. Quartel General em Realengo, 20 de abril de 1954.

“Cap. Capelão Victório Daros, consciente do seu dever, acompanhou o Destacamento de Operações ao Pará, sempre pronto para o que fosse necessário, dentro de suas atribuições de Capelão. Compreensivo, tolerante, inteligente, esforçado e trabalhador, foi um ótimo companheiro em que sempre vimos um servidor da religião de Cristo que cumpre com devoção e entusiasmo a sua sagrada missão no seio da Tropa de paraquedistas, onde goza de geral estima e respeito.” – Cel Sylvio Américo Santa Rosa, Ch EMG do Nu D Aet. Rio de Janeiro, DE, 30 de junho de 1956.

“É com prazer e cumprindo um dever de justiça que elogio tão eficiente e valoroso camarada. Como Capelão tem prestado uma eficiente assistência religiosa, realizando, sem faltar uma só vez, a cerimônia da missa, mesmo na linha de frente, como na fase da ocupação da Área do Palácio. Tão logo foi ocupada Ciudad Nueva, iniciou a celebração da missa em plena Plaza Independencia, levando o apoio religioso aos elementos do Batalhão. Aos que o procuram aos que dele necessitam, tem o Padre Daros dado o conforto da sua palavra, da sua fé, concorrendo para manter elevado o moral da nossa tropa. Inúmeras vezes estende sua cooperação a outros setores, particularmente por ocasião de recepções, quando orienta os trabalhos necessários à confecção de churrascos. Abandona o conforto e segurança do acampamento para permanecer na área de instrução de operações na selva e guerrilha, prestando in loco sua assistência. Como veterano e exímio paraquedista, bem nos representou no salto de instrução da 82ª Divisão Aerotransportada. Este Comando agradece tão valiosa colaboração, com a qual desejo contar até o final da nossa missão em Santo Domingo.” – Major Glads-tone Pernasetti Teixeira, Rsp pelo Cmdo do I/Resl. Acampamento em Santo Domingo, RD, 19 de janeiro de 1966.

“Cap. Capelão Victório Daros exerce a Chefia do Serviço Religioso da Brigada Paraquedista onde há mais de 20 anos labuta o Capelão Daros entre nós paraquedistas. E imensurável o acervo dos serviços que vem prestando ao longo de tantos anos. Hoje assoberbado por outros encargos religiosos, no quadro da Vida Militar como um todo, pouco tempo lhe tem sobrado para o nosso convívio. Contudo, o que vemos é que quase por teimosia, sempre que lhe é possível, vem ele ao QG pelas manhãs e nos brinda com sua presença. Por outro lado, sempre que programado e nos momentos de luta da Bda, podemos contar com ele executando os serviços religiosos previstos nas nossas solenidades e consolando os mais necessitados. Assim sendo, não poderia deixar de ser grato ao Capelão Daros pela sua colaboração com o Comando da Bda Pqdt, em mais este ano de Instrução que ora finda.” – Ten. Cel. Lélio de Miranda Valle, AjG Bda. Pqdt. Quartel na Vila Militar, Re, 15 de janeiro de 1976.

“Trata-se de um sacerdote digno, temperamento forte, uma alma muito grande e atinha-se sempre aos princípios. Sempre que eu passasse pela capelania, via que uma das suas preocupações era a de preparar as palavras que ele diria junto à comunidade cristã, quando estivesse no seu exercício sacerdotal. E esse ponto ele o manteve seriamente até os últimos anos. Trata-se de um sacerdote que demonstrou bem nitidamente, durante toda sua vida, um empenho por levar a sério sua vida profissional e de cristão. Nós nos orgulhamos por tê-lo como sacerdote e como membro de nossa congregação palotina. Edificou o seu sacerdócio, teve um trabalho muito empenhado no sentido de Deus e no sentido de permanecermos com os princípios que devem orientar toda a nossa vida cristã.”

– Dom Alberto Trevisan, na celebração eucarística de corpo presente, em Vale Vêneto.

 

Pe. Claudino Magro, SAC