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Padre Júlio Dalla Valle (1928-2015)
1. Introdução
Como em todas as famílias quando um filho tem alguma necessidade especial, recebe mais atenção e cuidado dos pais, não porque estes amam os outros filhos com menor intensidade, mas porque o este filho especial tem menos condições de realizar todas as ações necessárias para ter uma vida plena em todas as suas dimensões.
Assim aconteceu na família palotina, da Província Nossa Senhora Conquistadora, de Santa Maria (RS), que teve um coirmão que se tornou especial, após 11 anos de sacerdote. Estou me referindo ao Pe. Júlio Dalla Valle, que foi ordenado presbítero em 1961, que em 1972, sofreu um acidente de carro que o deixou paralítico por 43 anos e que faleceu serenamente, assistido pelos confrades e colaboradores, na manhã do dia 25 de novembro de 2015, às 6h25min, na Comunidade Pe. Caetano Pagliuca, em Santa Maria (RS).
O Pe. Júlio foi este coirmão especial que nós, palotinos de Santa Maria tivemos; um padre muito querido por toda a comunidade provincial, especialmente os que conviveram por mais anos com ele no Colégio Máximo Palotino, na Paróquia Santo Antônio e na Comunidade Pe. Caetano Pagliuca.
A comunidade palotina agradeceu a Deus esta pessoa maravilhosa que ele nos deu, com uma missa na capela do Patronato e outra na Igreja Matriz Santo Antônio, na tarde do dia 25 de novembro de 2015.
Em seguida o seu corpo foi levado a Vale Vêneto onde foi sepultado no Cemitério dos Padres e Irmãos Palotinos. A seguir apresentamos uma breve biografia do Padre Júlio Dalla Valle SAC e ressonâncias sobre o coirmão falecido.
2. A sua família
Os pais do Pe. Júlio, filhos de imigrantes italianos, nasceram em Nova Palma (RS), onde passaram a sua infância, se casaram e tiveram os primeiros quatro filhos. Mudaram-se, posteriormente, para Pinhal Grande (RS), onde nasceu o quinto filho e, logo em seguida, para Vila Segredo, município de Sobradinho (RS). Ali nasceu o Pe. Júlio, no dia 31 de julho de 1928, sétimo dos dez filhos que seus pais tiveram. Foram oito mulheres e dois homens. Sua mãe morreu pouco antes de completar 81 anos de idade, enquanto que seu pai morreu aos 90 anos.
Filho de pequenos agricultores que cultivavam uma vida católica muito intensa, com reza diária do terço e missas, sempre que os padres de Arroio do Tigre (RS), sede da paróquia, visitavam a Vila Segredo, Júlio cresceu com grande gosto pela vida espiritual.
Desde pequeno, sentiu-se desafiado a entrar no seminário, estimulado por duas de suas irmãs que haviam ingressado na formação para a vida religiosa na comunidade das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, em Vale Vêneto (RS). Mais tarde, outras três de suas irmãs entraram para a vida consagrada, de tal sorte que o Pe. Júlio teve cinco irmãs freiras do Coração de Maria. Também influenciaram a sua entrada no seminário, os missionários palotinos Celestino Trevisan e Rafael Pivetta e alguns jovens de sua terra que já estavam no seminário de Vale Vêneto, entre os quais José Pascual Busatto e Aquiles Pio Redin que também se tornaram padres palotinos. Júlio ingressou no seminário, no dia 29 de abril de 1944, em Vale Vêneto, onde concluiu o Curso Primário e fez o Ensino Médio.
3. Seu noviciado e Seminário Maior
Júlio fez o Noviciado, no ano de 1953, no Colégio Santo Alberto, em Cadeado, hoje, Augusto Pestana (RS), onde, no ano seguinte, iniciou o curso de Filosofia que completou no Seminário Maior Palotino, em São João do Polêsine (RS). No dia 2 de fevereiro de 1955, fez a sua Consagração Religiosa Temporária na Sociedade do Apostolado Católico (SAC) e, no mesmo dia e mês de 1958, fez a Profissão Perpétua. Em 1958, começou a Teologia, na Escola Superior de Estudos Filosóficos e Sociais, Colégio Máximo Palotino (CMP), inaugurado naquele mesmo ano, em Santa Maria (RS). Foi ordenado diácono, no dia 25 de junho de 1961, e sacerdote no dia 9 de julho do mesmo ano, quando cursava o quarto ano de Teologia, juntamente com mais 3 colegas, em Ivorá (RS), por Dom Luiz Victor Sartori, Bispo de Santa Maria. Uma semana depois, presidiu sua primeira missa na Vila Segredo, sua terra natal.
4. Pe. Júlio Dalla Valle, SAC
Ao falar de sua ordenação sacerdotal, por ocasião de seus oitenta anos, o padre Júlio disse que "queria ser um bom padre: servir bem o povo, levando-o a amar a Deus e a praticar a vida cristã". Durante o último semestre de Teologia e suas primeiras férias como padre, Júlio foi solicitado a trabalhar em Arroio Grande (Santa Maria), São Miguel do Oeste (SC) e em Porto Alegre (RS). Estando na capital, teve os primeiros contatos com as impressoras da Gráfica Pallotti e, em maio de 1962, começou a trabalhar como auxiliar da Tipografia e do Setor Administrativo, no Patronato, em Santa Maria. Cada vez que a Gráfica comprava uma nova impressora, era o Pe. Júlio que tinha que aprender a manuseá-la. Numa dessas ocasiões, ele foi a São Paulo (SP) e assim conheceu a grande capital paulista.
Em 1968, assumiu como chefe a Litografia da Revista Rainha dos Apóstolos. Dizia que sentia maior realização, trabalhando diretamente na confecção desta Revista. Prestava seus serviços religiosos na capela do Patronato, na Paróquia Santo Antônio.
5. O acidente
No dia 25 de novembro de 1972, com 11 anos e 4 meses de sacerdócio, sofreu um grave acidente de carro, tendo duas vértebras esmagadas e perdendo totalmente a sensibilidade e os movimentos das pernas. Pe. Júlio, com alguns colegas, estava voltando de uma ordenação e, mesmo sentindo- se inseguro e emocionalmente estressado por situações que vivia na Gráfica, foi solicitado a dirigir o carro, a fim de treinar-se, pois acabara de receber a carteira de motorista. Júlio sempre alegou esse estresse como causador do acidente.
Assim o padre Júlio descreveu o acidente: "No começo me faltou o chão. Chorava muito, escondido, de noite, para ninguém me ver. Depois, me coloquei na mão de Deus e fui sentindo uma calma muito grande, um verdadeiro consolo espiritual".
Depois de 6 meses de hospital, como cadeirante o Júlio foi morar no Colégio Máximo Palotino, do qual havia feito as instalações elétricas em 1957 e 1958. Continuou por muitos anos a fazer fisioterapia, tanto em casa com a assistência de um/uma profissional, quanto em casas especializadas.
6. Sua vida continuou
Estando no Colégio Máximo e se deslocando em cadeira de rodas no andar térreo, o padre Júlio montou uma encadernação para recuperar livros para a biblioteca do Seminário e encadernar revistas. Fazia também serviços para fora, quando era solicitado. Para participar nas missas, que eram celebradas na capela localizada no segundo piso, ele era carregado com muito cuidado, escada acima e escada abaixo, pelos seminaristas.
O Júlio permaneceu no Seminário até 1975, sob os cuidados do Ir. Carlos Moro. Em meados daquele ano, voltou a morar no Patronato, onde assumiu novamente a chefia da Litografia da Revista Rainha dos Apóstolos, até 1978, quando a nossa Revista foi transferida para Porto Alegre. Deixando o trabalho gráfico, por convite do Pe. José Pillon passou a trabalhar na Secretaria da Paróquia Santo Antônio, quando essa ainda estava nas dependências do Patronato, fazendo todo o trabalho que competia ao padre. Quando foi construída a casa paroquial da mesma, ele foi morar nela e continuou atendendo ao povo e presidindo missas na matriz, como vigário.
Em 1992, foi transferido novamente para o Colégio Máximo Palotino, onde mereceu toda a atenção dos padres, seminaristas e funcionárias. Foi também confessor de muitos seminaristas. O padre Júlio sempre foi uma pessoa alegre e muito agradecida pelos gestos de atenção que recebia dos seminaristas, padres e funcionárias do CMP. Em um relatório do CMP, lido no Encontro Provincial de Palotina em 2009, um colega do Júlio leu o seguinte depoimento: "O Pe. Júlio é confessor e testemunho qualificado de vida de fé e superação de obstáculos" Quando no Colégio Máximo foi instalado um elevador, a locomoção do Júlio foi facilitada e ele passou a se deslocar por conta própria entre o andar térreo e o primeiro andar, onde se localizavam a capela e a sala de jornais e televisão. Mesmo sendo cadeirante, entre 1992 e 2004, o Pe. Júlio atendia às necessidades religiosas da Vila Maringá, celebrando a Eucaristia, três domingos por mês, levado de Kombi pelos seminaristas.
Ao completar oitenta anos de idade, no dia 31 de julho de 2008, o Pe. Júlio deu o seguinte depoimento a respeito de sua vida na comunidade do Seminário: "Sinto-me muito querido, muito amado. Sinto que sou muito bem cuidado e agradeço a todos pela atenção e dedicação nestes anos todos. Gosto de estar no meio dos seminaristas".
Ainda naquela ocasião, disse que via o acidente como uma "proteção" de Deus, já que, antes do acidente, ele estava bastante inseguro e confuso quanto ao seu sacerdócio. Depois de chorar muitas vezes, à noite, Deus lhe mostrou um novo jeito de ser sacerdote, não mais fundado no que fazia, mas no que era. Feita essa experiência, logrou viver com muita paz e total entrega às mãos de Deus. Falando aos seminaristas, ele dizia que, vivendo o carisma palotino e a herança cristã, todos podiam superar as inseguranças, os medos e as preocupações vindas das diferentes culturas e da globalização.
7. Na Comunidade Pe. Caetano Pagliuca
Por ocasião da passagem de seus 50 anos de sacerdócio, em 2011, já morando na Comunidade Pe. Caetano Pagliuca, no Patronato, para ser atendido mais de perto pelo médico e pelos enfermeiros, perguntado sobre qual seria a maior gratificação como padre, o padre Júlio deu o seguinte testemunho: "Eu acho que é a fidelidade de Deus, o carinho do povo e a amizade de tantas pessoas, como a dos meus colegas palotinos. Eu me sinto muito feliz em ser padre e palotino. As pessoas me querem bem e eu quero bem às pessoas. Eu me sinto um pai espiritual".
Desde fins de 2010, o Pe. Júlio morava na Comunidade Padre Caetano Pagliuca, no Patronato, casa que dispõe de uma grande e aparelhada ala para acolher os palotinos idosos, doentes e convalescentes. O bom tratamento e atendimento recebido deu-lhe uma boa qualidade de vida até seus últimos dias, apesar de ter convivido mais de quinze anos com algumas feridas que teimosamente resistiram a tratamentos. Segundo alguns médicos, raramente uma pessoa que sofre um acidente assim, tem vida tão longa, como o Júlio teve. Foram os muitos cuidados a ele dedicados, a atenção e o amor que recebeu das pessoas que o cercavam, que lhe deram uma vida longa e de qualidade. Tudo isso acrescido à sua grande força de superação, ao seu desejo de viver e servir à Igreja e à Sociedade dos Padres e Irmãos Palotinos.
Durante esses últimos anos que esteve no Patronato, o Pe. Júlio foi internado algumas vezes no Hospital Astrogildo de Azevedo para os mais variados tratamentos. Desde o acidente, quando teve parte do pulmão danificado, sofreu dezenas de pneumonias. Neste ano de 2015, correu várias vezes riscos de morte, devidos a infecções que invadiam o seu corpo e teimavam por deixá-lo.